TAIPU, A TERRA
DO PAPAGAIO – HISTÓRIA DA LENDA
O
orgulho que hora temos pela nossa mascote, não acompanhou o papagaio desde a origem
da história de “Taipu, a terra do papagaio”. A minha geração foi testemunha
ocular, ou melhor, ativista nos embates travados com quem nos pedia o pé, que
de forma verbal, “dá o pé meu loro”, que com a famosa provocação gestual, de
apontar o dedo indicador direito, curvado na horizontal, com o arco voltado
para frente.
É
bem viva na memória as chuvas de pedras atiradas aos trens, contra os
passageiros que, mal esperava os primeiros tic tac com a partida da locomotiva,
estendiam seus dedos para fora das janelas, com o habitual gesto provocador.
Atitudes similares aconteciam com os caminhões pau-de-arara, por vezes ainda os
caminhões com boleias duplas, de madeiras, os famosos mistos, que passavam por
Taipu, fazendo rotas, tanto de transporte de passageiros, quanto de cargas.
Os
provocadores se divertiam com a irritação que provocavam, à molecada, reagir
era como defender a honra da terra.
A
nossa relação com o papagaio começou a mudar na final da década de 70, início
dos anos 80. Nesse período surgiu o bloco carnavalesco Papagaios na folia, a
então criada a Boate Papagaio experimentou um tremendo sucesso, surgiu o bairro
Alto do Papagaio e por aí foi. O nosso papagaio finalmente foi adotado por
todos como mascote.
Hoje
o nosso papagaio é ostentado em todas as oportunidades, com muito orgulho.
Não
há consenso com a origem da lenda da “terra do papagaio”.
O
professor Gustavo Praxedes, por exemplo, em artigo sobre o tema, sugere que,
conforme conversas com populares taipuenses da época, a lenda surgiu em função
da abundância da espécie na região.
Fico
com a tese de que a lenda surgiu com a tirada de sarros de ceará-mirinenses aos
taipuenses.
A
argumentação a essa tese é que a história mais tradicional da lenda é
exatamente uma brincadeira provocativa: um papagaio que se equilibrando sobre
galhos, arrastados pelas correntezas da enchente do rio para não afogar-se, é
socorrido por moradores do lugar, mas, ao perguntar que cidade é esta e tendo
como resposta, Taipu, pede que o deixem seguir, pois prefere morrer afogado.
“Taipu,
a terra do papagaio” era dizer que queríamos repetir tudo que Ceará Mirim
fazia, o que, provavelmente, era verdade. A necessidade da autoafirmação como
cidade, nos primeiros anos seguintes ao ano da emancipação política, 1981, nos
levaria a querer “arremedar” os costumes da “cidade grande”.
Mas
poderia incomodar os ceará-mirinenses em queremos imitá-los?
Penso
que a motivação à gozação era uma certa “dor de cotovelo”. Quando houve a emancipação política, a
extensão territorial do município de Taipu abrangia os municípios de Poço
Branco e Bento Fernandes, além de boa parte do município de João Câmara,
inclusive a região da sede. Todas essas terras foram subtraídas de município de
Ceará Mirim, que consequentemente, também viu a redução significativa na
população da época.
Soma-se
o fato de Ceará Mirim ver a transferência, ainda que temporariamente, da sede
da paroquia a, ainda, vila Taipu, de 16/07/1876 a 19/08/1877, conforme registro
no blog “Crônicas taipuense”, do conterrâneo João Batista dos Santos, citado a
seguir:
Crônicas taipuenses X 1876
Transferência da paróquia de Ceará Mirim para Taipu
Por um breve período de tempo a sede da paróquia de Ceará Mirim foi
transferida para Taipu por meio de um ato diocesano de 16/07/1876, sendo a
freguesia restabelecida novamente em Ceará Mirim em 19/08/1877.
O decreto de transferência foi assinado pelo então bispo da Paraíba, dom
Adaucto de Mirando Henriques, da qual o Rio Grande do Norte pertencia
pastoralmente. O texto de transferência da sede da paróquia de Ceará Mirim para
a então vila de Taipu se encontra no arquivo da Arquidiocese da Paraíba e no
livro de tombo da paróquia Nossa Senhora da Conceição de Ceará Mirim (Livro tombo, Nº 1, PNSCCM, p. 79, grifos nosso), nestes termos:
D Adaucto Aurélio de Miranda Henriques
Por mercê de Deus e da Santa Sé
bispo da Parahiba
Atendendo ao que nos expôs em oficio de 9 do corrente o Revmo
vigário da freguesia de Ceará-Mirim e considerando o facto por ele referido de
desacato [...] a autoridade da Igreja e [...] as consequências que d’elle
advirão necessariamente ao bom regime da dicta freguesia e ao bem espiritual
dos fiéis havemos por bem transferir [...] pela presente portaria,
transferimos, a sede da mesma freguesia para a villa de Taipú, até [que] seja
reparado o escândalo e dada a satisfação que o caso exige.
Dado nesta cidade da Parahiba
sob nosso signal, aos 16 de julho de 1876 [...] + Adaucto, bispo diocesano.
Ainda
em visitas ao blog “Crônicas taipuenses”, encontrei um registro, o qual me
pareceu evidencias irrefutáveis à tese de que a história da lenda da terra do
papagaio nasceu com esse espirito de gozação.
O
registro trata de um cordel, publicado em 1909, e faz referência a inauguração
da estação ferroviária de Taipu, em 1907. Na linguagem atual, uma bem-humorada
“tirada de onda”, conforme segue:
Cronicas taipuenses XL 1909
A revista Fon-Fon<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]-->na seção Cartas Jagunças (anno III, n. 3, 1909), exibia uma poesia em
que se falava de um fato pitoresco ocorrido em Taipu-RN. Eis a baixo a poesia.
Agrafia e a prosódia foram conservadas conforme constam no original
Cartas jagunças
Subscripto:
José Tinoco Libório
No distrito Federal,
Rua do Hospicio chamada
Quas na Avenida Central.
Carta aberta
-Ceará Mirim, dois do andante
Meu cumpade, seu Tinôco
vosmicê zangou co’a gente
ou fai da gente bem poço.
Já la se vai trinta dias
qui n’unten-o carta sua
Sá Bebé, sua cumade,
P’ru sua causa se amua.
A afiada Janiquin-a
Ta toda triste pensando,
Que cumpade num se alembra,
Mais della, e vévi chorando.
A falla e pregunta e pede
Qui eu li mande ahi sabê,
O que é feito do cumpade,
Pruquê deixou de escrevê.
Eu mesmo já tou cismado
No qui foi que açucedeu
Dara-se caso ( prugunto)
Qui Tinôco adoeceu?
Mai infim o mundo é todo,
Todo cheiin-o de ingrato...
A gente arrecebe um bêjo
E arrecompensa em maus trato.
Esta missiva de agora,
Seu cumpade tem dois fin:
Açucegá Janinquin-a
E li falá, num de mim,
Mai de argumas certa couza
Qui no Taipú se passarum:
Cousas do arco da veia,
Qui a toda gente pasmarum:
Era povo como o diabo,
Na parada do Taipú,
Esperando o boi de jogo
Bufá, fazendo-chi-fú?
Cômes e bébes, cumpade,
Já se sabe n’um fartou;
Muita menina de branco,
Qui nosso hyno cantou.
Teve Gente da Pelada,
Cá do Çará tomen teve;
E muitas otoridades...
Gunvernadô La esteve.
Mas, porém, tantas festança,
P’ró que foi, vae próguntá,
Meu cumpade curioso,
Qui num sabe advinha.
Sabe, pruqê? advin-e.
Advin-e para que tantas
Festança apreparada
Para o Felismino Dantas.
O nosso bom curuné,
Cunceituado da terra
Em que fala todo o mundo,
Qui anda muito na berra.
Mas deixe aqui registrá
Um fato que aconteceu
Quando o seu Guvernadô
No Taipú, do trem dêceu:
Ai seu Tinôco, que graça!
De mata a dentro correu
Gente cum medo do bicho
De que seu doto deceu.
Foi um sario peitado!
Cavalos rédia partirum,
Espantado co’o trenzi-o
Cuma uns danado fugirun.
Na casa do curuné
Discursaram seus dotô,
Mas Feslimino é escovado,
Tomem aos dotô brindô.
E dixe no fin do brinde
Esta cousa que agrado:
-Na fulô do gerimum,
Li saúdo, seu dotô.
Esse cális vréimeiado,
Qui brota na sua era,
Encho do vinho, que é raro
D’uma amisade sincera...!
E ... seu cumpade inté breve...
Inté pudé li escrevê;
Hoje , n’um tenho mas tempo,
Vou paceiá com a Bebé.
N’um si isqueça: Janinqui-a
Deseja sabe seu passo.
Num demore sua vorta
E arreceba meu abraço.
A carta é assinada por ‘Mané do Riachão’ e trata de um acontecimento
pitoresco quando da chegada do trem em que muitas pessoas fugiram com medo do
veiculo. A carta fala de uma homenagem oferecida a um certo coronel Felismino
Dantas ‘conceituado na região’ segundo diz a referida carta. Diz o texto da
missiva que na ocasião vieram diversas autoridades da região e do estado
inclusive o governador. É citado a localidade da Serra Pelada, conhecida e
registrada na carta como somente ‘Pelada’.
A respeito da
referida revista, foi uma revista brasileira surgida no Rio de Janeiro em 1907.
Seu nome era uma onomatopeia do barulho produzido pela buzina dos automóveis.
Tendo como um de seus idealizadores o célebre escritor e crítico de arte
Gonzaga Duque, tinha no enfoque dado a ilustração uma de suas principais
características. Um grande exemplo dessa premissa foi a colaboração do pintor
Di Cavalcanti em 1914.1 A revista, inclusive, tornou célebres ilustradores como
Nair de Tefé, J. Carlos, Raul Pederneiras e K. Lixto. Tratava principalmente
dos costumes e notícias do cotidiano e foi publicada até agosto de 1958.
Diferentemente
das provocações ao pedir o pé, que o intuito era meramente irritar, a
provocação debochada que dá origem à lenda, baseava-se no humor, e não uma
relação com o ódio. Era uma coisa bem do espirito brasileiro, do tipo das
provocações que fazemos com nossos irmãos portugueses.
E
pensar que a provocação não era uma coisa odioso, dentre outros fatos, baseio-me
nas histórias que meu pai, José Eugenio de Andrade, contava da amizade dos
coronéis Felismino Dantas, de Ceará Mirim, e Manoel Eugenio Pereira de Andrade,
de Taipu. Dizia meu pai que o Coronel Manoel Eugenio mandava enfeitar a estrada
do Maracajá, com bandeiras nas pontas estacas, para receber a equipe do Coronel
Felismino Dantas, que por ali, com a frota de cavalos, adentrava a sede do
município quando ao coronel anfitrião.
Pelo
cordel, verifica-se que o Coronel Felismino Dantas esteve presente prestigiando
a inauguração da estação, e que os “comes e bebes” se dá na casa do Coronel
anfitrião. Como registro, em 1907, data da inauguração da estação, o Coronel
Manoel Eugenio era o intendente, cargo equivalente a prefeito, de Taipu.
O
meu pai, sobrinho neto do Coronel Manoel Eugenio, não o conheceu. Meu pai
nasceu em 1925, o coronel faleceu em 1917. Essas histórias meu pai ouvia do meu
avô Antonino Eugenio de Andrade, esse sobrinho do Coronel.
Final
de contas, se recebemos o papagaio como provocação, o que é muito factivo
acreditar, transformamos o “presente de grego”, incorporamo-lo ao nosso
patrimônio cultural imaterial, tornando-o nossa querida mascote.
Quanto
aos que nos presenteou, nossos irmãos mais velhos, o carinho mútuo de sempre, no
final das contas, somos filhos da mesma genitora, somos concidadãos.
Arnaldo
Eugenio de Andrade
arnaldoeugenio@hotmail.com
Maio/2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário