Maria do Livramento Miranda Clementino
Por
Zoraide Souza Pessoa (UFRN)
Maria do
Livramento Miranda Clementino, é professora titular da UFRN, nordestina, que
nasceu em 01 de janeiro de 1950, em Taipu, pequena cidade do interior do Rio
Grande do Norte. Filha única, do comerciante Lauro Miranda e da dona de casa
Maria de Lourdes Miranda, viveu sua infância entre as cidades de Taipu e
Ceará-Mirim, onde estudou os anos iniciais do ensino fundamental, no Grupo
Escolar Joaquim Nabuco em Taipu, e concluiu os anos finais, no colégio Santa
Águeda em Ceará-Mirim, do qual foi interna entre 1963-1966. Sua juventude
passou na capital, Natal, cursando entre 1967-1969, o ensino médio, no Atheneu,
tradicional colégio público da cidade.
Contrariando
a vontade dos pais, que almejavam que se formasse em medicina, engenharia ou
direito, consideradas “carreiras de futuro” segundo a percepção familiar, optou
por fazer sua primeira graduação em Sociologia e Política, na Fundação José
Augusto, em Natal entre 1970 e 1973. Também cursa de 1971 a 1975 Ciências
Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), na qual
também se graduaria em Ciências Sociais entre 1976 e 1977.
Mas, a
realização no Direito foi amplamente conquistada pela família, na terceira
geração dos Miranda, agora Miranda Clementino, fruto do seu casamento com
Francisco das Chagas Clementino, jovem potiguar farmacêutico bioquímico que
arrematou seu coração no ano de 1974 em Salvador, quando cursava mestrado em
química na UFBA. Da união, celebrada em 1976, nasceram seus três filhos, todos
bacharéis em Direito.
Livramento,
mulher, filha, mãe, esposa, avó, socióloga, economista, professora e
pesquisadora vão delineando sua jornada profissional e científica que se inicia
quando exerce a função de socióloga, como celetista, no serviço de pesquisa e
estatística da Divisão de Orientação Social no Serviço Social do Comércio
(SESC), em Natal, de 1971 a 1975. Sua carreira acadêmica se iniciaria em 1979,
na UFRN. Contudo, ainda experimentaria atuar como gestora pública, ao exercer o
cargo de Secretária Municipal de Administração Geral e Planejamento da
prefeitura de Natal de 1993 a 1994.
Foi na
UFRN, ao longo de mais de quatro décadas, que se moldaria como pesquisadora,
polindo as marcas do regional, do urbano, das cidades, das metrópoles e das
políticas públicas como polos centrais de sua trajetória acadêmica científica.
Apresenta uma identidade ambivalente entre a sociologia e a economia como ela
mesma se descreve, mas se podemos pensar em definições, trafega com maestria na
interdisciplinaridade. No início de sua carreira acadêmica na década de 1980,
vai forjando sua identidade no estudo do regional, temática que vai marcar
grande parte de sua produção acadêmica. É neste período que cursa o mestrado,
nas Ciências Sociais, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Unicamp (1982-1985) pesquisando as relações capital trabalho na exploração do
algodão, atividade agrícola rural tradicional, e de base central para a
dinâmica regional do Nordeste e do Rio Grande do Norte, até o seu declínio nos
anos 1980. É nos estudos rurais e regionais, que vai talhar sua formação, sob a
influência da profa. Maria de Nazareth Baudel Wanderley, sua orientadora e uma
das principais estudiosas das ruralidades brasileiras. Deste período, nasce a
obra que ela considera uma das mais marcantes: O Maquinista de Algodão e o
Capital Comercial, de 1987.
É no
doutorado cursado de forma sequencial no Instituto de Economia da Unicamp (1985
– 1990), no qual conciliava junto com o parceiro de vida, Chagas, que também
cursava doutorado no Instituto de Química, que marcaria de vez sua formação na
economia regional, sob a orientação do Prof. Wilson Cano, que se tornaria uma grande
referência intelectual, de pesquisa e pessoal. Sob a influência de Wilson Cano,
sua tese analisa as transformações capitalistas e suas contradições como eixo
analítico de sua abordagem sobre o desenvolvimento regional no contexto do
capitalismo periférico, aplicado ao caso do processo de urbanização do Rio
Grande do Norte, marcada pela expansão do setor terciário como influxo das
contradições das relações capital trabalho e que vai forjar a sua urbanização e
dos seus principais centros regionais que compõem o livro: Economia e
Urbanização: o Rio Grande do Norte nos Anos 70, publicado em 1995.
Na década
de 1990, faz um Pós-Doutorado na Université Lumière, Lion2, França (1990-1991)
e, ao retornar, inicia sua atuação junto ao Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais, e juntamente com colegas das Ciências Sociais da UFRN e
outros pesquisadores do Nordeste que participavam do Grupo Temático de
Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) se depara com o não lugar da pesquisa
regional. Para romper e ampliar o acesso aos editais de financiamento de
pesquisas, utiliza como estratégia a atuação e a articulação da pesquisa em
rede, que vai ser uma marca de sua trajetória, permitindo desenvolver projetos
de pesquisa tendo como foco o regional e, no Nordeste, em parceria com
pesquisadores do Nordeste e de outras regiões do país.
O viés da
pesquisa em rede, se fortalece ao longo da primeira década do século XXI ao
ingressar na Rede Observatório das Metrópoles, coordenada por Luiz César
Ribeiro de Queiroz, e adentrando de vez na pesquisa sobre as cidades e a
metropolização no Brasil, e na análise das desigualdades e estruturas sociais
das metrópoles.
Dessa
inserção, passa a coordenar em 2003, o Núcleo Natal do Observatório das
Metrópoles, conduzindo uma ampla e interdisciplinar equipe de pesquisadores,
que tem na metropolização de Natal o foco de estudo e pesquisas.
Em
paralelo, entre os anos de 1990 e 2000, vai também consolidando em sua agenda
científica o estudo das políticas públicas, que se torna um objeto revigorante
frente ao processo de redemocratização e da efetivação dos direitos do cidadão,
moldados pela Constituição de 1988, redefinindo o papel dos governos e da
gestão pública, impondo novas perspectivas, competências e a emergência de
problemáticas. Desse contexto, juntamente com outros pesquisadores, cria o
grupo de pesquisa Estado e Políticas Públicas (EPP), que vai moldar a formação
do Núcleo Avançado de Políticas Públicas (NAPP) no início dos anos 2000,
possibilitando idealizar a criação do Departamento de Políticas Públicas em
2008, do qual passa a compor o corpo docente, depois de quase 30 anos no
Departamento de Ciências Sociais. Esse momento, destaca-se em sua trajetória
acadêmica ao liderar a criação do curso de Gestão de Políticas Públicas e do
Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, ambos em 2009, que resultou na
concretização do Instituto de Políticas Públicas em 2022.
É esta
trajetória interdisciplinar que vai marcar sua contribuição nas ciências
sociais, tendo o urbano, o regional e as políticas públicas como foco de suas
análises sociológicas e econômicas, espelhando ainda a inovação na sua pesquisa
realizada em rede e de forma colaborativa.
Inspira
dezenas de alunos e orientados como eu que continua formando, mas também para
as gerações futuras, da quarta geração dos Miranda Clementino, seus cincos
netos, para quem deixa como lição, que o mundo muda muito rápido, e precisa
mudar e não pode mudar de qualquer jeito, mas de forma justa e com direitos à
diversidade dos indivíduos e das formas de vida com qualidade e equilíbrio, mas
com atenção crítica e com ação transformativa frente à sedução que o novo
oferece.
Sugestões de obras da autora:
CLEMENTINO,
M. L. M.. O Maquinista de Algodão e o Capital Comercial. Natal: Universitária
UFRN, 1987. 272p (a)
CLEMENTINO, M. L. M.. Economia e Urbanização: o Rio Grande do Norte nos Anos
70. Natal: UFRN/CCHLA, 1995. 371p (b)
CLEMENTINO, M. L. M.; PESSOA, Zoraide Souza (Org.) . Natal: uma metrópole em
formação. 1. ed. São Paulo – SP: EDUC – Editora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2009. v. 500. 351p. (c )
CLEMENTINO, M. L. M.; FERREIRA, Angela Lucia (Org.) . Natal, transformações na
ordem urbana. 2. ed. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. 429p. (d)
CLEMENTINO, M. L. M.. Duas Décadas da Região metropolitana de Natal. 1. ed. Rio
de Janeiro: Letra Capital, 2019. v. 1. 310p. (e)
RIBEIRO, M. G. (Org.) ; CLEMENTINO, M. L. M. (Org.) . Economia metropolitana e
desenvolvimento regional: do experimento desenvolvimentista à inflexão
ultraliberal. 1. ed. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2020. v. 1. 722p. (f)
CLEMENTINO, M. L. M.. Economia regional e a produção do urbano crítico: lições de
Wilson Cano. Economia e Sociedade (UNICAMP), v. 30, p. 739-760, 2021.
Fonte:
https://sbsociologia.com.br/project/maria-do-livramento-miranda-clementino/