quinta-feira, 19 de março de 2020

Concreto e Abstrato


CONCRETO E ABSTRATO



Número, ponto, reta, plano e sólido
Matemática: aritmética e geometria
Ciência, espaço, raciocínio lógico
O concreto e o abstrato em analogia

Um ponto, dimensões desprezíveis
Uma reta é a união de dois pontos
Os planos podem ser em declíveis
Sólidos são esféricos ou com cantos

Os números são inúmeros, infinitos
Traçar planos diminui-se os riscos
A vida é um plano com limites finitos
Para brancos, negros, pobres ou ricos

Na física a interseção é impossível
Da Vinci, ‘1,618’ é a divina proporção
O pensamento é uma esfera invisível
Na qual cada um cria sua dimensão

Somos céticos, crentes ou ateus
A fé é dogma, não diagnóstico
Para Cristãos, Islâmicos, 
Judeus Respeito Pascal, o agnóstico

Cremos no que nossa mente cria
O limite, o pensamento, o real
Nos conceitos da parapsicologia
Explicação para o sobrenatural

Sermos os únicos no universo
É uma pretensão descabível
Inteligentes, somos perversos
Humanos, somos carnívoros

Se nossa casa no universo
Tem importâncias desprezíveis
Ainda assim atingimos tal progresso
Outras vidas parecem previsíveis

Uma explosão com contínua expansão
Redução a um ponto será o regresso
Argumento da ciência para a criação
Conceito de início e fim do universo

Com comportamentos distintos
Profecias e profetas são diversos
Não dominamos nossos instintos
Mas, pensamos entender o universo


Arnaldo Eugenio

Da janela


DA JANELA


Da janela
Espero o trem
Não ouço o apito
Fico aflito
O trem não vem
Não há mais o trem

Da janela
Lamento a maternidade
Uma insanidade
Está sem luz
Não se dar mais à luz
Na maternidade

Da janela
Vejo a praça
Não tem graça
Na infância
Era o moinho
Não havia a praça

Da janela
Olho o Campineiro
Sem o cata vento
Mudou os tempos
Pertence a herdeiros
O campineiro

Da janela
O sopro da algaroba
Traz de volta os peões
Em uniforme carioba
Nômades dos sertões
Na sombra da algaroba

Da janela
Ouço o sino da matriz
Lembrança feliz
Na terceira chamada
As meninas arrumadas
À missa na matriz

Da janela
Olho as estrelas
Encanta-me o luar
Contemplando o céu
Volto no tempo
Posso sonhar

quarta-feira, 18 de março de 2020

Taipu, a terra do papagaio - história da lenda


TAIPU, A TERRA DO PAPAGAIO – HISTÓRIA DA LENDA

O orgulho que hora temos pela nossa mascote, não acompanhou o papagaio desde a origem da história de “Taipu, a terra do papagaio”. A minha geração foi testemunha ocular, ou melhor, ativista nos embates travados com quem nos pedia o pé, que de forma verbal, “dá o pé meu loro”, que com a famosa provocação gestual, de apontar o dedo indicador direito, curvado na horizontal, com o arco voltado para frente.
É bem viva na memória as chuvas de pedras atiradas aos trens, contra os passageiros que, mal esperava os primeiros tic tac com a partida da locomotiva, estendiam seus dedos para fora das janelas, com o habitual gesto provocador. Atitudes similares aconteciam com os caminhões pau-de-arara, por vezes ainda os caminhões com boleias duplas, de madeiras, os famosos mistos, que passavam por Taipu, fazendo rotas, tanto de transporte de passageiros, quanto de cargas.
Os provocadores se divertiam com a irritação que provocavam, à molecada, reagir era como defender a honra da terra.
A nossa relação com o papagaio começou a mudar na final da década de 70, início dos anos 80. Nesse período surgiu o bloco carnavalesco Papagaios na folia, a então criada a Boate Papagaio experimentou um tremendo sucesso, surgiu o bairro Alto do Papagaio e por aí foi. O nosso papagaio finalmente foi adotado por todos como mascote.
Hoje o nosso papagaio é ostentado em todas as oportunidades, com muito orgulho.
Não há consenso com a origem da lenda da “terra do papagaio”.
O professor Gustavo Praxedes, por exemplo, em artigo sobre o tema, sugere que, conforme conversas com populares taipuenses da época, a lenda surgiu em função da abundância da espécie na região.
Fico com a tese de que a lenda surgiu com a tirada de sarros de ceará-mirinenses aos taipuenses.
A argumentação a essa tese é que a história mais tradicional da lenda é exatamente uma brincadeira provocativa: um papagaio que se equilibrando sobre galhos, arrastados pelas correntezas da enchente do rio para não afogar-se, é socorrido por moradores do lugar, mas, ao perguntar que cidade é esta e tendo como resposta, Taipu, pede que o deixem seguir, pois prefere morrer afogado.   
“Taipu, a terra do papagaio” era dizer que queríamos repetir tudo que Ceará Mirim fazia, o que, provavelmente, era verdade. A necessidade da autoafirmação como cidade, nos primeiros anos seguintes ao ano da emancipação política, 1981, nos levaria a querer “arremedar” os costumes da “cidade grande”.
Mas poderia incomodar os ceará-mirinenses em queremos imitá-los?
Penso que a motivação à gozação era uma certa “dor de cotovelo”.  Quando houve a emancipação política, a extensão territorial do município de Taipu abrangia os municípios de Poço Branco e Bento Fernandes, além de boa parte do município de João Câmara, inclusive a região da sede. Todas essas terras foram subtraídas de município de Ceará Mirim, que consequentemente, também viu a redução significativa na população da época.
Soma-se o fato de Ceará Mirim ver a transferência, ainda que temporariamente, da sede da paroquia a, ainda, vila Taipu, de 16/07/1876 a 19/08/1877, conforme registro no blog “Crônicas taipuense”, do conterrâneo João Batista dos Santos, citado a seguir:
Crônicas taipuenses X 1876
Transferência da paróquia de Ceará Mirim para Taipu
Por um breve período de tempo a sede da paróquia de Ceará Mirim foi transferida para Taipu por meio de um ato diocesano de 16/07/1876, sendo a freguesia restabelecida novamente em Ceará Mirim em 19/08/1877.
O decreto de transferência foi assinado pelo então bispo da Paraíba, dom Adaucto de Mirando Henriques, da qual o Rio Grande do Norte pertencia pastoralmente. O texto de transferência da sede da paróquia de Ceará Mirim para a então vila de Taipu se encontra no arquivo da Arquidiocese da Paraíba e no livro de tombo da paróquia Nossa Senhora da Conceição de Ceará Mirim (Livro tombo, Nº 1, PNSCCM, p. 79, grifos nosso), nestes termos:

D Adaucto Aurélio de Miranda Henriques
Por mercê de Deus e da Santa Sé bispo da Parahiba
Atendendo ao que nos expôs em oficio de 9 do corrente o Revmo vigário da freguesia de Ceará-Mirim e considerando o facto por ele referido de desacato [...] a autoridade da Igreja e [...] as consequências que d’elle advirão necessariamente ao bom regime da dicta freguesia e ao bem espiritual dos fiéis havemos por bem transferir [...] pela presente portaria, transferimos, a sede da mesma freguesia para a villa de Taipú, até [que] seja reparado o escândalo e dada a satisfação que o caso exige.
Dado nesta cidade da Parahiba sob nosso signal, aos 16 de julho de 1876 [...] + Adaucto, bispo diocesano.
Ainda em visitas ao blog “Crônicas taipuenses”, encontrei um registro, o qual me pareceu evidencias irrefutáveis à tese de que a história da lenda da terra do papagaio nasceu com esse espirito de gozação.
O registro trata de um cordel, publicado em 1909, e faz referência a inauguração da estação ferroviária de Taipu, em 1907. Na linguagem atual, uma bem-humorada “tirada de onda”, conforme segue:
Cronicas taipuenses XL 1909
A revista Fon-Fon<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]-->na seção Cartas Jagunças (anno III, n. 3, 1909), exibia uma poesia em que se falava de um fato pitoresco ocorrido em Taipu-RN. Eis a baixo a poesia. Agrafia e a prosódia foram conservadas conforme constam no original
Cartas jagunças

Subscripto:
José Tinoco Libório
No distrito Federal,
Rua do Hospicio chamada
Quas na Avenida Central.

Carta aberta
-Ceará Mirim, dois do andante
Meu cumpade, seu Tinôco
vosmicê zangou co’a gente
ou fai da gente bem poço.

Já la se vai trinta dias
qui n’unten-o carta sua
Sá Bebé, sua cumade,
P’ru sua causa se amua.

A afiada Janiquin-a
Ta toda triste pensando,
Que cumpade num se alembra,
Mais della, e vévi chorando.

A falla e pregunta e pede
Qui eu li mande ahi sabê,
O que é feito do cumpade,
Pruquê deixou de escrevê.

Eu mesmo já tou cismado
No qui foi que açucedeu
Dara-se caso ( prugunto)
Qui Tinôco adoeceu?

Mai infim o mundo é todo,
Todo cheiin-o de ingrato...
A gente arrecebe um bêjo
E arrecompensa em maus trato.


Esta missiva de agora,
Seu cumpade tem dois fin:
Açucegá Janinquin-a
E li falá, num de mim,
Mai de argumas certa couza
Qui no Taipú se passarum:

Cousas do arco da veia,
Qui a toda gente pasmarum:
Era povo como o diabo,
Na parada do Taipú,
Esperando o boi de jogo
Bufá, fazendo-chi-fú?

Cômes e bébes, cumpade,
Já se sabe n’um fartou;
Muita menina de branco,
Qui nosso hyno cantou.

Teve Gente da Pelada,
Cá do Çará tomen teve;
E muitas otoridades...
Gunvernadô La esteve.

Mas, porém, tantas festança,
P’ró que foi, vae próguntá,
Meu cumpade curioso,
Qui num sabe advinha.

Sabe, pruqê? advin-e.
Advin-e para que tantas
Festança apreparada
Para o Felismino Dantas.

O nosso bom curuné,
Cunceituado da terra
Em que fala todo o mundo,
Qui anda muito na berra.

Mas deixe aqui registrá
Um fato que aconteceu
Quando o seu Guvernadô
No Taipú, do trem dêceu:

Ai seu Tinôco, que graça!
De mata a dentro correu
Gente cum medo do bicho
De que seu doto deceu.

Foi um sario peitado!
Cavalos rédia partirum,
Espantado co’o trenzi-o
Cuma uns danado fugirun.

Na casa do curuné
Discursaram seus dotô,
Mas Feslimino é escovado,
Tomem aos dotô brindô.

E dixe no fin do brinde
Esta cousa que agrado:
-Na fulô do gerimum,
Li saúdo, seu dotô.

Esse cális vréimeiado,
Qui brota na sua era,
Encho do vinho, que é raro
D’uma amisade sincera...!

E ... seu cumpade inté breve...
Inté pudé li escrevê;
Hoje , n’um tenho mas tempo,
Vou paceiá com a Bebé.

N’um si isqueça: Janinqui-a
Deseja sabe seu passo.
Num demore sua vorta
E arreceba meu abraço.

A carta é assinada por ‘Mané do Riachão’ e trata de um acontecimento pitoresco quando da chegada do trem em que muitas pessoas fugiram com medo do veiculo. A carta fala de uma homenagem oferecida a um certo coronel Felismino Dantas ‘conceituado na região’ segundo diz a referida carta. Diz o texto da missiva que na ocasião vieram diversas autoridades da região e do estado inclusive o governador. É citado a localidade da Serra Pelada, conhecida e registrada na carta como somente ‘Pelada’.
A respeito da referida revista, foi uma revista brasileira surgida no Rio de Janeiro em 1907. Seu nome era uma onomatopeia do barulho produzido pela buzina dos automóveis. Tendo como um de seus idealizadores o célebre escritor e crítico de arte Gonzaga Duque, tinha no enfoque dado a ilustração uma de suas principais características. Um grande exemplo dessa premissa foi a colaboração do pintor Di Cavalcanti em 1914.1 A revista, inclusive, tornou célebres ilustradores como Nair de Tefé, J. Carlos, Raul Pederneiras e K. Lixto. Tratava principalmente dos costumes e notícias do cotidiano e foi publicada até agosto de 1958.

Diferentemente das provocações ao pedir o pé, que o intuito era meramente irritar, a provocação debochada que dá origem à lenda, baseava-se no humor, e não uma relação com o ódio. Era uma coisa bem do espirito brasileiro, do tipo das provocações que fazemos com nossos irmãos portugueses.
E pensar que a provocação não era uma coisa odioso, dentre outros fatos, baseio-me nas histórias que meu pai, José Eugenio de Andrade, contava da amizade dos coronéis Felismino Dantas, de Ceará Mirim, e Manoel Eugenio Pereira de Andrade, de Taipu. Dizia meu pai que o Coronel Manoel Eugenio mandava enfeitar a estrada do Maracajá, com bandeiras nas pontas estacas, para receber a equipe do Coronel Felismino Dantas, que por ali, com a frota de cavalos, adentrava a sede do município quando ao coronel anfitrião.
Pelo cordel, verifica-se que o Coronel Felismino Dantas esteve presente prestigiando a inauguração da estação, e que os “comes e bebes” se dá na casa do Coronel anfitrião. Como registro, em 1907, data da inauguração da estação, o Coronel Manoel Eugenio era o intendente, cargo equivalente a prefeito, de Taipu.
O meu pai, sobrinho neto do Coronel Manoel Eugenio, não o conheceu. Meu pai nasceu em 1925, o coronel faleceu em 1917. Essas histórias meu pai ouvia do meu avô Antonino Eugenio de Andrade, esse sobrinho do Coronel.
Final de contas, se recebemos o papagaio como provocação, o que é muito factivo acreditar, transformamos o “presente de grego”, incorporamo-lo ao nosso patrimônio cultural imaterial, tornando-o nossa querida mascote.
Quanto aos que nos presenteou, nossos irmãos mais velhos, o carinho mútuo de sempre, no final das contas, somos filhos da mesma genitora, somos concidadãos.
Arnaldo Eugenio de Andrade
arnaldoeugenio@hotmail.com
Maio/2019

Sr. Valdomiro Alves da Rocha, o afilhado de João Café Filho

     Fonte: Paróquia de Nossa Senhora do Livramento de Taipu, livro de assento de batismos nº 13, assento nº 67, página 104. - Arquivo digit...